Teoria da desconsideração da personalidade jurídica


A desconsideração da personalidade jurídica é tema clássico do Direito. Inicialmente surgida por obra da jurisprudência e adstrita exclusivamente às relações privadas, sobretudo no Direito Comercial, hoje ela se manifesta nas mais diversas áreas, como no Direito do Consumidor, Trabalhista, Administrativo, Tributário, Previdenciário, Concorrencial, Ambiental etc.

Nas palavras de Robert Blakey Thompson, ela é: “o tema mais debatido no Direito Societário e, não obstante, permanece entre os menos compreendidos”. Portanto, a tarefa deste tópico é condensar em brevíssimas linhas os principais vetores teóricos desta teoria.

O que no Brasil se convencionou chamar de desconsideração da personalidade jurídica recebe múltiplas nomenclaturas nos diversos ordenamentos jurídicos, tais como levantamento da personalidade colectivai em Portugal, disregard doctrine (teoria da desconsideração) ou piercing the corporate veili (erguendo o véu que recobre a pessoa jurídica) nos Estados Unidos da América, teoria de la penetración (teoria da penetração) na Argentina, superamento delia personalità giuridica (abandono da personalidade jurídica) na Itália, ou mesmo Durchgriff (penetração) na Alemanha.

Apesar de estas terminologias se referirem ao termo personalidade jurídica, a rigor, não há necessária relação entre a existência de personalidade jurídica e a incidência da teoria da desconsideração.

Em verdade, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é uma técnica para se declarar judicialmente a ineficácia da separação patrimonial dos membros de um centro autônomo de imputação”, permitindo estender-lhes obrigações formalmente devidas apenas por este centro. Ela possibilita, por exemplo, responsabilizar judicialmente os sócios de uma sociedade limitada por dívidas formalmente contraídas pela sociedade, mesmo estando o capital plenamente integralizado.

Não incide, porém, de maneira unitária, alcançando indistintamente todos os que fazem parte do quadro societário. Ao contrário, razões de ordem material e processual exigem que somente seja aplicada contra o sócio que detinha o poder de controle societário e tenha se utilizado dele de maneira ilícita, desrespeitando a autonomia da atividade societária como centro de imputação, dotado de patrimônio próprio e inconfundível com o patrimônio e com a vontade particular dos sócios.

Consequentemente, cabe ao sujeito que requereu a aplicação desta teoria indicar, no caso concreto, contra qual sócio ou grupo de sócios deseja que ela incida, descrevendo pormenorizadamente a conduta de cada um deles, sob pena de se configurar carência de ação por falta de interesse de agir.

Não obstante, o que se observa na jurisprudência, em grande medida, é uma aplicação unitária do instituto, sem maiores preocupações em individualizar a conduta de cada sócio, fazendo com que ela alcance até mesmo os minoritários sem poderes de administração.

Segundo o art. 50 do Código Civil, o termo “abuso da personalidade jurídica” deve ser entendido como sinônimo do pressuposto (a inobservância do necessário distanciamento entre a atividade desenvolvida por um centro autônomo de imputação e os seus membros). O mencionado artigo exemplifica condutas que podem indicar a inobservância desse pressuposto, como o “desvio de finalidade” e a “confusão patrimonial”. Evidentemente, outras condutas existem que também caracterizam inobservância da separação de esferas patrimoniais. Ainda que não citadas expressamente no texto legal, todas estariam englobadas pelo conceito maior de “abuso da personalidade jurídica”. Assim ocorre, por exemplo, quanto à subcapitalização.

Esta, em resumo, a dogmática acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na ótica deste autor, a qual precisa ser complementada com a relevante distinção entre a forma como tal teoria incide nas relações jurídicas com e sem presunção legal de vulnerabilidade.

Autor: LEONARDO NETTO PARENTONI

Fonte: PARENTONI, Leonardo Netto. Reconsideração da personalidade jurídica: estudo dogmático sobre a aplicação abusiva da disregard doctrine com análise empírica da jurisprudência brasileira. 2012. Tese (Doutorado em Direito Comercial) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 8.

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